segunda-feira, 4 de abril de 2011

Redução de estômago: Perdas e ganhos

Isaac Ribeiro - Repórter

A criação da cirurgia bariátrica, também conhecida como redução de estômago, representou vida nova para muita gente, principalmente para aqueles cuja obesidade era ameaça de doenças e até mesmo risco de morte. Muitas pessoas mudaram radicalmente de vida depois de submetidas ao procedimento cirúrgico e de assumir uma nova imagem, uma nova forma. Mas e aqueles que não se acostumaram com o novo perfil?
alex régis Apesar de raro, arrependimento após cirurgia BARIÁTRICA pode acontecer e causar prejuízos psicológicos em quem não CONSEGUE se adaptaR à sua nova imagem
Apesar de raro, arrependimento após cirurgia BARIÁTRICA pode acontecer e causar prejuízos psicológicos em quem não CONSEGUE se adaptaR à sua nova imagem
Segundo especialistas em cirurgia bariátrica, é muito raro acontecer, mas existem casos de pacientes que passaram por isso. E, na maioria das vezes, essa reação está relacionada a um acompanhamento psicológico falho ou a uma preparação prévia mal executada.
De acordo com o cirurgião Eudes Godey, chefe do serviço de cirurgia da obesidade e doenças relacionadas do Hospital Universitário Onofre Lopes, arrependimento é muito estranho e raríssimo.

“Existem os chamados distúrbios de imagem corporal; aquela clássica situação da pessoa que é magra e se vê gorda. Isso é o mais comum. Nos preocupa, pois nós temos pacientes que operam, emagrecem, mas continuam se vendo gordos; e às vezes se recusam a comer, desenvolvem quadros bulímicos de induzir vômitos. É uma situação mais comum. Mas pode acontecer o contrário também. Eu posso ter uma pessoa, e isso já aconteceu com pacientes nossos, que não se adaptam àquela nova imagem corporal”, comenta o médico.

Na avaliação do psicólogo Laedson Lopes, duas coisas são fundamentais para que o paciente não se arrependa após ter feito o procedimento. A primeira delas é ter um bom nível de conhecimento sobre a cirurgia.

“Explorar os profissionais que o estão atendendo, não ficar com dúvidas, poder discutir abertamente todas as situações inerentes a essa cirurgia. Então, quanto maior esse nível de conhecimento e esclarecimento, menor será a possibilidade desse paciente se arrepender”, diz ele.

O outro ponto é ter, de fato, uma boa preparação, seguir a orientação que os profissionais da área passam para os pacientes. “E aí, no pós-operatório, ele ter uma boa adaptação e não ter nenhuma dificuldade, problemas que, aí sim, corroborariam para que ele pudesse se arrepender de ter feito alguma coisa.”

Casos de sucesso superam fracassos

As estatísticas atestam que os casos de sucesso na cirurgia bariátrica são bastante superiores aos de fracasso, como aponta o psicólogo Laedson Lopes, integrante de equipe interdisciplinar responsável por preparar pacientes para a gastroplastia. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCM), cerca de 30 mil procedimentos são realizadas por ano no Brasil.

“De um modo em geral, se levarmos em consideração não só a população de nossa cidade, mas a população do nosso país e do mundo, as pessoas são muito mais beneficiadas com a cirurgia do que se encontram numa situação desagradável ou ruim”, comenta Laedson, enfatizando ainda que a própria Organização Mundial de Saúde comprova ser o procedimento, hoje, o tratamento mais eficiente contra a obesidade.

Mas casos de arrependimento, por mais estranho que possa parecer, acontecem. Foi assim com a professora universitária Ana Cecília Aragão Gomes, 30 anos, em determinado momento após submeter-se à cirurgia (leia entrevista abaixo).

Para o cirurgião Eudes Godoy, quem desistiu pode não ter tido um bom preparo no pré-operatório ou não foi devidamente acompanhadas por uma equipe interdisciplinar. Essas equipes, conta ele, são formadas por psicólogos e psiquiatras, responsáveis por uma checagem sobre possíveis transtornos alimentares, como bulimia, anorexia nervosa, transtorno do comer compulsivo periódico, entre outros. Caso seja identificado algum desses problemas, é preciso que ele seja tratado antes da cirurgia, caso contrário poderá haver prejuízos no pós-operatório.

Há quem não consiga se desvencilhar de seu perfil gordo, desejando até mesmo reverter a cirurgia. “Nós temos pessoas que podem ter esse tipo de dificuldade, sim; mas a ponto de pedirem para desfazer a cirurgia porque querem reengordar, porque gostavam mais daquela imagem anterior, nunca vi. Isso é uma distorção completa. Esse tipo de paciente precisa ser muito bem avaliado, muito bem acompanhado, é bem provável que ele tenha tido, o que acontece com frequência, algo chamado expectativas irreais com a operação”, comenta o cirurgião.

Revertendo a cirurgia

A reversão da gastroplastia depende da técnica adotada (ver ilustração), mas, de maneira geral, isso é possível, de acordo com Eudes Godoy. Mas existem alguns modelos de operação onde não é possível isso; são definitivos. “São aquelas onde removemos parte do estômago, mas não é a mais comum. A que fazemos mais comumente reduz o estômago, mas às custas de uma separação do estômago restante. Então, nós podemos reconectar novamente. É uma operação mais trabalhosa que a primeira, pois é mais difícil reconstruir do que fazer, mas é possível.”

Uma vez revertido o procedimento, o paciente passa a ganhar peso novamente, podendo chegar às suas marcas anteriores.  Isso é atribuído ao que se chama de memória de peso. Em nossa memória celular, temos aquele peso alto como normal. Se for tirado o efeito protetor da cirurgia, a tendência é voltar ao que a balança marcava anteriormente.

Sem arrependimento

A técnica de enfermagem Kaline Ramos de Carvalho, 19 anos, diz ter se submetido à cirurgia bariátrica mais por questões de saúde do que simplesmente por estética. Pesando 110 kg, como pesava, ela tinha pré-disposição a problemas como resistência à insulina, hipertensão, síndrome de ovário policístico. A cirurgia foi uma questão de prevenção. “Queria ter um filho futuramente e para mulheres obesas é mais difícil”, argumenta Kaline, hoje, três meses após a redução de estômago, com 89 kg.

Ela conta que os quinze primeiros dias após a cirurgia foram “horríveis”, pois sentia muita dor, não comia nada sólido, só líquidos. “Quase fico doida! Passei oito dias com um dreno que incomodava muito.” Ela, porém, passou a gostar de sua nova condição ao fim desse período turbulento. “Você vê que cabe em roupas que você sempre quis usar; aí a auto-estima vai lá pra cima!”

Kaline afirma conhecer muita gente que passou pela cirurgia de redução de estômago, mas nenhuma que tivesse se arrependido da decisão e das novas formas. No início, se dizia totalmente contra. “Eu até brincava, dizia que ia fazer uma campanha. Mas hoje recomendo sim. O resultado é excelente!”

bate-papo - Ana Cecília Aragão Gomes  » Professora universitária

Quando você fez a cirurgia? Qual foi sua motivação?

Eu fiz em 2006. Na verdade, eu tinha vontade de fazer pois eu sempre fui gordinha. Durante meu curso de graduação, terminei ganhando 30 kg a mais e logo depois, quando eu fui pra São Paulo, pela distância da família e por uma série de coisas, percebi que estava entrando numa certa compulsão por comida. E lá fiz terapia, já busquei algumas orientações e achei que seria uma boa fazer a cirurgia. Minha mãe me incentivou, porque ela também fez; e ao vê-la achei que valeria a pena. Aí, quando voltei pra Natal, voltei pra fazer a cirurgia.

E o que você achou? Qual foi sua reação?

Eu fiz cirurgia, mas só que como eu sempre fui gorda, nunca tive um corpo magro; no máximo tinha um corpo normal; foi meio na carreira, o processo foi rápido. Cheguei em março e em abril já fiz a cirurgia; até porque já tinha todo um quadro de doença. Logo depois da cirurgia — como eu nunca tinha passado por um processo cirúrgico, eu não tinha a menor noção do que era. E aí, depois, eu fiz movimentos bruscos, me abaixei, e dez dias depois tive uma fístula no estômago. E isso me levou a ficar 45 dias no hospital, sem pôr nada na boca, sem tomar nem água. Eu precisava esperar que o próprio estômago se recuperasse. Não sei se foi uma experiência boa ou ruim, mas foi diferente. Como eu vinha num processo de compulsão alimentar, em menos de dez dias eu não comia nada; lógico que psicologicamente. pela boca, mas estava me alimentando. Aí eu comecei a ter consciência corporal, nesse processo de perceber que eu tinha um estômago, tinha dores que estavam voltadas muito mais para a questão do corpo do que do sentimental. Para mim, fome, frio e tristeza se curavam com a mesma coisa: comida. Seis meses depois, veio algo que, eu acho, foi o mais delicado nessa cirurgia, o lado psicológico. Tive que buscar ajuda psicológica para não entrar em outras compulsões. Eu percebo que algumas pessoas que fazem a cirurgia acabam indo para a bebida, para o sexo, enfim, para outras compulsões. Como eu não queria isso, e tinha noção de pessoas que tinham esse tipo de comportamento por não buscar orientação, eu busquei e faço análise até hoje, pois é uma mudança muito radical, principalmente em quem sempre foi gordinho, é uma mudança drástica de auto-imagem. Teve uma época que eu tinha saudade de quando era gorda. Isso era louco! Como você vai ter saudade de algo que você não queria? Mas isso acontecia porque era quem eu era. Quem eu reconhecia no espelho era aquela pessoa gorda.

Você tinha saudade de você na forma antiga?

Exato; porque desse novo jeito eu não sabia quem eu era. Sem ser daquela forma, eu não sabia lidar com esse corpo, como eu agiria.

Faltou uma preparação psicológica prévia melhor?

Não. Acho que é da própria mudança. Uma coisa que eu sempre converso com as pessoas que sabem que eu fiz a cirurgia e me perguntam é que faça acompanhamento psicológico, pois muitas vezes não é o ato cirúrgico, a intervenção em si, é o comportamento, é mental mesmo. Aquela coisa meio clichê de dizer: quem foi gordo vai ter sempre a cabeça de gordo. É muito difícil.

O seu processo de mudança corporal foi rápido?

Eu mudei muito. Em um ano eu perdi 50 kg . É muita coisa!

Mudou sua relação com os amigos, com a família?

Muda primeiro com relação a amigos ou a namorado, paqueras. Eu demorei muito para aceitar que alguém me dissesse que eu sou bonita, pois para mim não era. Ainda estava naquela outra imagem que eu reconhecia. Era difícil aceitar. Mas termina facilitando as relações. Isso é uma diferença visível. É você antes ver que as pessoas olhavam para você e nem sempre se disponibilizariam a conversar, e até mesmo você se fechar. Mudando um pouco o externo parece que você fica mais livre para ser quem você realmente é — pelo menos você tendo acompanhamento psicológico.

O que você aconselharia a quem está pensando em se submeter à cirurgia de redução de estômago?

Procurar um profissional competente, que tenha responsabilidade e fazer acompanhamento psicológico antes, durante e depois porque não é fácil, principalmente para pessoas com o perfil igual ao meu,  que sempre foram gordinhas. É fundamental.

Confira o vídeo:

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