Autor:
Adriano S. RibeiroCada vez mais o mundo virtual se torna território fértil para manifestações agressivas, ainda que superficiais, evidenciando o que pode ser uma polarização da opinião pública no país.
Menos de uma hora depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelar ao Brasil que estava com um tumor na laringe e que teria de ser submetido a um tratamento agressivo de quimioterapia, as redes sociais começaram a borbulhar. Uma mensagem específica, postada no Facebook e no Twitter, sugerindo que ele se tratasse no Sistema Único de Saúde (SUS), foi compartilhada milhares de vezes, iniciando uma verdadeira batalha campal. Ao ponto de deixar o espaço virtual e se tornar assunto de debate não apenas entre internautas, mas também nos principais veículos da imprensa brasileira.
A ferocidade com que muitos dos usuários do Facebook e do Twitter insistiram em atacar o ex-presidente e a inoperância do governo atual na área de saúde foi recebida com igual intensidade – e fúria – não apenas por quem o admira. Mas também por todos os que se sentiram de alguma forma ofendidos pela falta de respeito tanto com Lula quanto com todos aqueles profissionais que, a despeito dos baixos salários e das muitas vezes péssimas condições de trabalho, dão o seu melhor trabalhando em serviços públicos de saúde.
Esse caso, que ganhou capas de jornais e revistas brasileiros, evidenciou e, de certa forma, amplificou um comportamento que vinha sendo detectado nas redes sociais há algum tempo: a forma por vezes exacerbada e muito agressiva com que os usários verbalizam a indignação que sentem em relação a determinado assunto, e como esses comentários são capazes de gerar reações na mesma intensidade, mas em direção contrária, sugerindo a existência uma polarização na opinião pública brasileira.
Para a jornalista, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) e do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas (RS) Raquel Recuero as redes sociais são um ambiente propício para manifestações que prescindem de normas de etiqueta e de bom convívio, mais observadas fora do mundo virtual.
Como na internet o contato entre as pessoas não é de caráter presencial, não há, portanto, a possibilidade de gestos, trocas de olhares, pausas nas falas. Uma interlocução mais complexa, enfim. Tampouco os participantes dessa conversação estão em um ambiente no qual o uso de certas palavras ou expressões, ou a elevação no tom de voz, serão consideradas inaceitáveis.
Todas essas circunstâncias, somadas ao fato de que as redes sociais podem confrontar indivíduos dos mais diversos backgrounds, o que talvez não ocoresse fora dos limites da web, permitem que a polidez e a tolerância sejam descartadas. E substituídas pela grosseria e pela agressividade, que em um efeito bola de neve, podem extrapolar os limites do aceitável.
O publicitário e escritor curitibano Eloi Zanetti diz que, assim como os brasileiros, apesar de apaixonados por carros, não aprenderam até hoje a usar os automóveis e continuarão causando muitas mortes no trânsito, também não sabem como utilizar as redes sociais.
Em decorrência do baixo nível educacional e cultural da população, ferramentas como o Facebook ou o Twitter podem, sim, acabar sendo desperdiçadas nas mãos de quem tem pouco ou nada a dizer em nome de sua indignação. “As pessoas podem falar o que quiserem, dar qualquer opinião, e se esconder”, diz Zanetti.
O despreparo intelectual e a falta de educação em vários sentidos também são observados nas redes sociais por Rui Dissenha, professor de Direto Penal e Direitos Humanos da Universidade Positivo. “Eu considero valioso qualquer instrumento de produção democrática de ideias. O que é negativo é a repetição de um mesmo argumento, sem muita profundidade, de forma acrítica e massificada.” Ele alerta, no entanto, que é necessário ser muito cauteloso no julgamento dessas manifestações.
Por mais virulentos ou levianos que os comentários e os posts sejam (e, de fato, são), afirma Dissenha, essas manifestações não podem correr o risco de cerceamento por serem “desagradáveis”. “Isso seria uma patrulha ideológica e politicamente correta, que é tudo do que não precisamos. Se o comentário for racista, ou ofender a honra e dignidade de alguém, cabe aí, sem dúvida uma ação legal.”
O caso específico da polêmica em torno do câncer de Lula é exemplar em outro aspecto. À medida em que foi ganhando corpo a condenação ao tal post, prescrevendo ao ex-presidente um tratamento médico em um hospital público, essas vozes indignadas foram aos poucos sendo aquietadas, em um processo que o publicitário Eloi Zanetti chama de autorregulação de sociedade. Estabeleceu-se, enfim, uma diálogo entre essas forças.
Mobilização
Se, para muitos, a internet e as redes sociais são terra de ninguém e solos férteis para a indignação estéril, que acaba não resultando em ações concretas, há, sim, o outro lado. Há exemplos de ações iniciadas no espaço virtual que ganharam as ruas, como os movimentos de rebelião popular nos países do norte da África, como o Egito, a Tunísia e a Líbia. Ou as ocupações anticapitalistas em Nova York e em outras cidades dos Estados Unidos, que vêm frutificando e fazendo o mundo refletir sobre o estado atual de coisas.
A professora e pesquisadora Raquel Requero cita as recentes ocupações e manifestações realizadas ao redor do Brasil no dia 18 de outubro último, em protesto à má distribuição de renda no país. Para Zanetti, também é uma questão de tempo até que mobilizações geradas nas redes sociais ganhem maior envergadura ao chegar às ruas e praças do país, seja contra a corrupção endêmica ou provocada por setores da sociedade, como a extrema direita.
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