terça-feira, 20 de março de 2012

Justiça por um futuro melhor

Ivan Akselrud de Seixas, O Globo

A ditadura foi fruto do assalto ao poder legalmente instituído e constituída por parte minoritária das Forças Armadas. Para se manter, instalou o terrorismo de Estado. Era, portanto, um regime ilegal e ilegítimo.

Todos os agentes desse terrorismo de Estado devem ser punidos como uma demonstração de soberania do estado democrático de direito sobre o Estado ditatorial. Essa deve ser a base de qualquer interpretação sobre a possibilidade ou não de punir os agentes da ditadura e seus mandantes. Qualquer outra é a aceitação da lógica do terror e da chantagem.

A alegação de que a Lei de Anistia impede a punição dos torturadores é falsa e usada para manter o estado de direito democrático frágil e débil. A alegação de que houve um pacto para a aprovação de uma anistia parcial que beneficiaria os torturadores não é verdadeira.

Basta lembrar que o projeto apoiado pela bancada da ditadura foi aprovado por apenas cinco votos de diferença (206 a 201) num Congresso Nacional manietado pela ditadura, com um terço de senadores biônicos (nomeados pelo ditador de plantão) e com uma oposição debilitada por inúmeras cassações de parlamentares. Como pode ter havido um pacto nessas condições?

Nunca esqueçamos que ainda reinava a ditadura com seus DOI/Codis e torturadores ativos.

A ditadura nunca admitiu a existência de presos políticos ou da prática de torturas. Como admitiria um artigo da Lei de Anistia que previsse a existência de torturadores e o perdão a eles? A alegação dos crimes conexos beneficiando torturadores só apareceu dois anos depois, quando as denúncias dos crimes da ditadura ganharam proporções tais que não dava mais para ignorá-las.

Nesse momento, a parte da oposição que temia a volta dos terroristas do DOI/Codi faz eco às alegações da ditadura de que os crimes conexos se referiam aos torturadores, que estariam anistiados também. Não por acaso aconteceram nessa época os atentados contra a OAB, a ABI e no Riocentro.

Centenas de pessoas teriam morrido se não houvesse a explosão da bomba que matou o sargento e feriu seu chefe imediato, capitão Wilson Machado, ambos agentes do DOI/Codi do II Exército. Ameaças claras e recado dado.

Aceitar que crime conexo é o crime cometido pelo Estado em oposição ao crime dos resistentes é permitir a perpetuação da barbárie como incentivo a novos torturadores.

A Lei de Anistia serviu para tirar uns poucos presos das cadeias, pois a maioria saiu por redução de penas quando logramos abrandar a Lei de Segurança Nacional, após intensa campanha por sua anulação pura e simples. Serviu também para trazer de volta milhares de brasileiros exilados e permitiu que nomes como Dom Helder Câmara, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Apolônio de Carvalho, Luis Carlos Prestes e João Amazonas pudessem ser pronunciados sem haver prisões e torturas. A Lei de Anistia foi a quebra da coluna vertebral da ditadura.

A Comissão da Verdade deve investigar o paradeiro dos desaparecidos políticos dentro do aparato de repressão do terrorismo de Estado que foi a ditadura. E levar à barra dos tribunais os que cometeram esses crimes que ainda não acabaram e estão impunes. Menos que isso é ir contra a democracia e premiar a tortura.



Ivan Akselrud de Seixas é jornalista, ex-preso político, membro da Comissão de Familiares de Desaparecidos Políticos e do Núcleo de Preservação da Memória Política

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