Carlos CostaA Organização Social Marca administra o Hospital da Mulher por contrato de emergência, que não tem necessidade de licitação
A "antecipação" das compras foi considerada estranha por colaboradores do Conselho Estadual de Saúde, que realizaram uma primeira análise nos documentos da Marca para submeter ao pleno do Conselho na próxima semana. "Vários dias antes da celebração do contrato a Marca já comprava. Nós sabíamos disso anteriormente, mas agora conseguimos as provas documentais", afirma Canindé Alves, ex-presidente do Conselho e atualmente colaborador. "Não posso me pronunciar pelo Conselho Estadual de Saúde. Os conselheiros irão analisar as proposições dos colaboradores na próxima semana", diz Canindé.
Segundo os documentos aos quais a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, a Marca inseriu na prestação de contas uma espécie de planilha onde detalha as compras realizadas com recursos próprios, que precisariam ser ressarcidas pelo Estado. A "planilha" está nas folhas 1.297 e 1.298 da prestação de contas. A primeira compra realizada pela OS foi no dia dois de fevereiro, data em que, segundo o processo administrativo presente na Secretaria Estadual de Saúde, foi enviada a proposta de trabalho para a parceria. Parceria essa que teoricamente não estava garantida.
Nas datas dos documentos, há várias incongruências. A proposta da Marca foi enviada no dia dois de fevereiro. Contudo, o secretário estadual de Saúde, Domício Arruda, autorizou à Assessoria Jurídica da Sesap o envio de propostas para três entidades somente no dia seis de fevereiro, ou seja quatro dias antes do envio da proposta. O prazo dado por Domício para a chegada das propostas foi de sete dias. A Assessoria Jurídica da Sesap encaminhou um pedido de parecer jurídico ao procurador geral do Estado no dia 8 de fevereiro. Nesse momento, a Marca já havia gasto R$ 20 mil em uma compra, cobrados posteriormente à Sesap, segundo prestação de contas. Miguel Josino assina o parecer confirmando a viabilidade jurídica de se fazer uma parceria com Organização Social - sem denominar qual OS seria - no dia 17 de fevereiro. Nesse meio tempo, a Marca adquiriu R$ R$ 264.745 em 11 operações financeiras, ainda de acordo com documentos presentes na prestação de contas. Entre o parecer de Miguel Josino e a celebração do contrato, que significa um espaço de 11 dias, a Marca adquiriu mais R$ 469.665 em 16 compras. Os documentos da prestação de contas dão a entender que as compras são relativas a mobiliário, produtos hospitalares, material de construção, entre outros.
As compras com recursos próprios da Marca continuaram a ser realizadas até o dia 26 de março, como consta na prestação de contas. No total, a OS "adiantou" à Secretaria de Saúde cerca de R$ 1 milhão. Esse valor já foi restituído, em duas parcelas de R$ 500 mil, a primeira realizada no dia 29 de março e a segunda no dia dois de abril. Até o momento o Governo do Estado pagou mais de R$ 10 milhões no contrato do Hospital da Mulher de Mossoró. Entre as empresas subcontratadas pela Marca está a Salute Sociale, que somente em abril recebeu R$ 1,9 milhão de repasse. A Salute é considerada pelo MPE uma das empresas supostamente utilizada pela Marca para desviar recursos públicos. Tem causado estranheza a semelhança entre os procedimentos investigados na saúde estadual e municipal. "Isso não nos causa surpresa porque sempre condenamos a contratação de OS. Vamos fazer uma auditoria qualificada nessa prestação de contas", diz Francisco Júnior, do Conselho Nacional Saúde.
MP diz que contrato tem cartas marcadas
Algumas das incompatibilidades verificadas por colaboradores do Conselho Estadual de Saúde na prestação de contas da Marca já estavam colocadas na Ação Civil Pública que o promotor Flávio Côrte Pinheiro move contra o Governo do Estado em Mossoró. O promotor chega a falar em "jogo de cartas marcadas", por conta das datas discrepantes de documentos no processo administrativo e pelo fato de o contrato de aluguel ter sido firmado no dia primeiro de fevereiro, um dia antes de a Marca sequer enviar a proposta de parceria para a Sesap.
O promotor Flávio Côrte diz o seguinte: "Apesar da aparente regularidade dos trâmites legais para a seleção de entidade parceira, o que se verificou, na prática, foi a realização de um ato flagrantemente ilegal e imoral por parte da Administração Pública Estadual, uma vez que a existência de processo administrativo não passou de mera formalidade vazia, porquanto o gestor público já havia concretizado, no mundo dos fatos, a escolha da OSCIP responsável pela gestão do Hospital da Mulher em total dissonância com os ditames legais".
Além do contrato de aluguel, a petição cita a cotação de preços, realizada ainda em janeiro, e as vistorias feitas sobre possíveis reformas no prédio do hospital também no mês de janeiro.
Auditoria do Governo está em curso
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE procurou a Secretaria Estadual de Saúde e o Governo do Estado para falar sobre as prestações de contas da Marca. O celular do secretário de Saúde, Isaú Gerino, permaneceu desligado. Segundo a Assessoria de Comunicação do Governo, Gerino estava em trânsito, de Brasília para Natal.
O Governo do Estado já havia, contudo, se pronunciado sobre o contrato da Marca com a Secretaria Estadual de Saúde. Em nota, o Governo afirmou que iria auditar o contrato com a Organização Social. "Tomei esta medida para que não fiquem dúvidas sobre o processo de contratação da MARCA e dos serviços prestados à mulher e aos recém-nascidos no Hospital da Mulher. Da mesma forma que determinei a Secretaria de Estado da Saúde Pública para que tome as medidas necessárias para que os serviços não sofram descontinuidade", explicou a governadora Rosalba Ciarlini.
Da mesma forma, a Marca enviou nota à imprensa: "A Associação Marca, junto à assessoria jurídica, está tomando as medidas legais cabíveis frente à ação civil pública movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, visando garantir a legitimidade de sua diretoria e a lisura dos atos praticados".
Bate-papo
Tatiana M. Cunha, ex-consultora geral do RN
"É necessário uma ação mais efetiva"
A senhora acha que o contrato do Estado com a Marca deveria ser suspenso?
A Marca tem um contrato com o Governo do Estado relacionado ao Hospital da Mulher em Mossoró. Esse contrato, segundo informações divulgadas na imprensa e pelo Ministério Público, foi feito sem processo de concorrência e com uma semelhança muito com forte com a forma como feito o contrato para os Ambulatórios Médicos Especializados do Município, que estão sendo questionados nessa última operação do Ministério Público. O processo todo é muito parecido e o MPE já havia sugerido a anulação. Todas essas circunstâncias mostram que esse contrato devia ser suspenso.
O que a senhora acha do processo de terceirização?
Sou contrária. As entidades privadas devem entrar no sistema de saúde de forma complementar, nunca como o ator principal. Um servidor público treinado e estimulado é capaz de produzir com eficiência. Sou servidora pública há 30 anos e já fui gestora, na Controladoria do Estado. O que é preciso é gestão pública.
O que a senhora achou das medidas anunciadas pelo Governo do Estado?
Eu acho que nessa altura do campeonato, com os indícios encontrados pelo Ministério Público, a mera formação de uma comissão para auditar o contrato é uma medida anêmica. Pelas circunstâncias, é necessário uma ação mais efetiva.
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