A gritaria argentina começou quando o país passou a ter déficits crescentes em suas transações com o Brasil. De 1995 a 2003 a economia brasileira contabilizou déficits sucessivos. A média anual foi da ordem de US$ 1,1 bilhão. Em 2004 o quadro se inverteu, com o Brasil registrando superávit de US$ 1,8 bilhão. Entre 2005 e 2010 o saldo favorável à economia brasileira foi em média de US$ 3,6 bilhões e no ano passado chegou a US$ 5,8 bilhões.
A forte demanda por produtos brasileiros ocorreu com a recuperação econômica verificada na Argentina após a crise vivida pelo país entre 1998 e 2002, período em que seu PIB encolheu 22%. Entre 2003 e 2010 a economia argentina cresceu em média mais de 7% ao ano e a indústria local não conseguiu atender a demanda interna, que vem sendo suprida pelos produtores brasileiros.
Atualmente, os bens industrializados representam 92% das exportações brasileiras para a Argentina.
Vale salientar que as transações por fator agregado entre os dois países mostram que, historicamente, o saldo tem sido favorável aos argentinos quando se trata de bens primários e combustíveis. Já no caso dos bens industriais, que agrega maior valor, o saldo é favorável ao Brasil.
Quando a balança comercial começou a se mostrar favorável ao Brasil a reação dos argentinos se tornou cada vez mais rude em relação aos brasileiros. Ameaçaram retaliar as importações e acusaram os industriais de "impiedosos". Ou seja, partiram para tentar resolver disputas comerciais no grito.
Os argentinos deveriam reconhecer que sua indústria não se ajustou à economia globalizada e hoje o setor não consegue competir com a indústria brasileira. Aos lobbies empresariais daquele país restou a apelação em defesa de salvaguardas e a protelação de licenças que limitam as vendas do Brasil para a Argentina.
O ex-secretário de Comércio Exterior da Argentina, Raul Ochoa, reconheceu tempos atrás que a balança comercial tende a ser estruturalmente superavitária para o Brasil. Os argentinos passaram a adquirir no mercado brasileiro produtos de alto valor agregado que antes eram adquiridos em outras regiões. Mesmo no setor agrícola, a vantagem brasileira é crescente. São poucos os nichos com vantagens competitivas na Argentina que poderiam sustentar um fluxo comercial equilibrado no futuro.
A Argentina cometeu erros estratégicos no passado e hoje cria barreiras para o desenvolvimento do Mercosul. Com os principais membros do bloco discutindo restrições ao livre comércio, juntamente com a falta de instrumentos capazes de reduzir as assimetrias entre os sócios, o avanço rumo à efetiva integração do Cone-Sul continua sendo um sonho.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas
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