segunda-feira, 26 de agosto de 2013

“Tem que mudar as regras do jogo eleitoral”, defende presidente do TRE

 

Em entrevista ao portalnoar.com, desembargador João Rebouças também defende mudança no “financiamento de campanha”

Por David Freire e Leonardo Dantas - Portalnoar

O desembargador João Rebouças deixa a presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) esta semana “com o sentimento do dever cumprido”. À frente da Corte Eleitoral durante um ano, elencou a biometria e a quantidade de processos julgados como marca da gestão.

Ele defende mudanças nas “regras do jogo eleitoral” e “no financiamento de campanha”. Quanto à rigidez, ele ressaltou que “o nosso Tribunal foi considerado o que mais cassou prefeitos no Nordeste”.

Abaixo, a entrevista concedida ao portalnoar.com onde conversou sobre eleições, protestos, quadro estrutural da Corte dentre outros temas. 

Desembargador diz que cumpriu bem seu dever de servir o povo (Foto: Wellington Rocha)

O que marcou sua gestão?

Nós priorizamos o julgamento de processos e a biometria. Conseguimos com o apoio da ministra Carmem Lúcia – presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – fazer a biometria em mais de 1 milhão de eleitores no estado. Começamos a primeira e segunda etapa, inclusive na capital com dados significativos apurados e uma média de quatro mil eleitores atendidos por dia.

Se continuarmos com esse número de atendimentos, atingiremos 82% do eleitorado de Natal.

Enquanto, por exemplo, Paraíba e Pernambuco se continuarem como estão não vão atingir 40% do eleitorado. Existe, inclusive, um servidor paraibano acompanhando a forma como estamos tratando o eleitor, pois estamos superando a média nacional. Nós temos um agendamento eletrônico, que gera um atendimento excelente. Evidencia o bom trabalho do servidor. 

Como o senhor analisa esse tempo à frente da presidência do Tribunal Regional Eleitoral (TRE)?

Analiso com o sentimento de dever cumprido. De quem, na condição de servidor público pago pela sociedade, cumpriu seu dever. 

O eleitor tomou consciência da importância desse recadastramento biométrico?

Tomou sim. Aproveitar para que agradecer a imprensa e aqueles que fazem a assessoria de comunicação do TRE. As inserções na televisão e nos meios de comunicação despertaram a consciência do eleitor.

A biometria implica em quais mudanças no processo eleitoral?

Segurança. No interior existia a estória de que “A votou por B ou que votaram pelo defunto”. Eu brinco e digo: “agora vai ter que andar com o dedo do defunto no bolso”. Esse tipo de comentário acabou, pois só o eleitor que poderá abrir a urna para ele mesmo por meio da impressão digital, que é única no mundo. O cadastro inclui a impressão digital e a fotografia.

Esse processo de votação já foi testado?

O processo é rápido. Já foi testado e está pronto para ser usado em 2014. Tem estado do Nordeste que já fechou todo o seu eleitorado.

O senhor citou que uma das marcas da gestão foram os processos. A que se atribui essa maior rigidez nos julgamentos da Corte?

A legislação e a fase pela qual passa a nação brasileira. Essa movimentação na rua serve para que o cidadão comum, do povo, servidor publico ou magistrado tenha noção de que precisa dessa responsabilidade.

 Com esses movimentos, o eleitor se mostra mais consciente no processo eleitoral e político?

Acredito que sim. Comenta-se muito a necessidade de uma reforma política partidária. Acho que é uma coisa que se precisa. Seria uma decisão importante para o amadurecimento e concretização da democracia. Principalmente no custeio ou como seria feito o financiamento das campanhas.

Num caso de reforma política, o que precisaria de mudança?

Tem primeiro que mudar as regras do jogo eleitoral. Como cidadão tenho o sentimento de que as regras que estão é no sentido de manter o quadro atual político. Não só o quadro de regras, mas o quadro de ocupantes para ficar como está. E a reforma política teria a mesma concepção. Teria que haver uma mudança no financiamento de campanha. Teria que ser um financiamento público. Tem algo que precisa ser dito. É uma matemática difícil de atender: eu ocupar um cargo eletivo em que terei um custo de campanha de R$ 5 milhões e todo mundo sabe que no meu mandato de quatro anos eu só receberei R$ 2,5 milhões, por exemplo. Alguém tem que pagar essa conta e quem paga é quem financia. São coisas que a cultura brasileira está despertando e que precisa mudar.

 
Ficha Limpa: “(…)Congresso teve que se submeter à vontade do povo.” (Foto: Wellington Rocha)

E a lei da Ficha Limpa, o que mudou na política?

Foi um recado. Foi um projeto de Lei recente e que representou a vontade popular. Foram milhões de assinaturas e o Congresso teve que se submeter à vontade do povo. No sentido de que aquele gestor público que não geriu bem os recursos públicos ou foi condenado por algum ato de improbidade, por órgão colegiado, ele é considerado inelegível.

Ela vem sendo aplicada?

Vem sim. Bem aplicada. É uma coisa que pegou. Está moralizando o processo eleitoral.

 O que pode ser aperfeiçoado na lei?

No ordenamento atual, considerar um candidato “ficha suja”, ou seja, que não preencheu os requisitos da ficha limpa, ele tem que ser julgado por órgão colegiado. E eu acho que não. Deixe o juiz que está na zona eleitoral, juiz que conhece a realidade dele, ou na comarca que ele for condenado, já seja considerado ficha suja. O juiz está perto e sabe das atitudes dele, da credibilidade e dos procedimentos.

Por cautela, o legislador deixou o segundo grau de jurisdição. Antigamente, o caso poderia chegar até a 3ª instância. Lembro de casos que eu julguei como juiz em zona eleitoral e o prefeito terminou o mandato e em Brasília – no TSE – não se decidiu. Você cassava e não tinha efeito. Ele só perdia efetivamente quando transitado e julgado enquanto que ele ia gastando todos os recursos arrastando o processo.

No tocante à cassação de políticos, como o senhor classifica o Rio Grande do Norte?

O nosso Tribunal foi considerado o que mais cassou prefeitos no Nordeste. Não era para ser algo normal, mas nós fomos a Corte que mais cumpriu o dever e aplicamos a lei em nível regional.

O TRE já cassou prefeitos eleitos em 2012. Isso representa que o político ainda não tem consciência desse processo de transparência?

O TRE já cassou prefeitos e, inclusive, já convocou e realizou eleições suplementares, como em Serra do Mel e Caiçara do Rio dos Ventos. Tem [casos de cassação] também Florânia, Monte Alegre, Vila Flor e Taboleiro do Norte. Temos mais de 600 processos transitando no estado envolvendo prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.

O TRE já tem algum planejamento em vista para 2014?

Já sim. Dentre outras coisas tem o objetivo, como prioridade da nossa administração, a conclusão da nossa sede própria que está parada há quatro anos. Uma discussão jurídica que nestes anos de gestão fizemos alguns contatos em Brasília. Está se fazendo uma perícia judicial. O recurso está no orçamento para concluir, mas devido esta pendência parou. É uma necessidade nossa a modernização das instalações. Para 2014 ainda continuar a terceira e quarta fase da biometria bem como a construção de novos fóruns no interior. Seis fóruns sendo construídos no momento.

Além de prédios, o TRE sofre com deficiência de recursos humanos?


Existe uma deficiência enorme. Nós temos 27 zonas eleitorais consideras críticas como a 69ª zona eleitoral, que só tem um servidor efetivo enquanto que as demais têm três com 15 a 20 servidores cedidos. Hoje quem dá o maior apoio e sustentação nas atividades eleitorais são os servidores cedidos por outros órgãos. A maioria da zona tem um servidor efetivo e outros são cedidos. Já fiz algumas propostas, inclusive nos encontros com presidentes, e estamos aguardando.

“O Tribunal enfrenta hoje uma carência de juízes.” (Foto: Wellington Rocha)

Quais as dificuldades que o TRE enfrenta para a realização das eleições de 2014?

O Tribunal enfrenta hoje uma carência de juízes. Nós temos mais de 100 vagas de juízes. Existe juiz em Natal sendo juiz eleitoral em São João do Sabugi ou juízes eleitorais em Luís Gomes e São Miguel que são juízes de Mossoró. No Oeste, só temos dois juízes titulares: Pau dos Ferros e Apodi. No restante, como em Almino Afonso, Venha-Ver e São Miguel sem juízes titulares e sem servidor. Às vezes tem apenas o juiz que vai uma vez na semana.

Para campanha política de 2014, com a forte inserção das mídias sociais e da internet, como o TRE avalia isso e pretende trabalhar?

O TRE, como os demais tribunais regionais eleitorais, está participando de reuniões em Brasília com o pessoal de TI [tecnologia da informação] do TSE no sentido de criarmos uma resolução a nível nacional com diretrizes nacionais. Observando a legislação e como punir, pois temos a consciência de que o uso será maciço. O Tribunal, inclusive, tem punido e obrigado blogs a pagarem pesado. Com casos no Seridó e Oeste. Teve um caso de multa de R$ 53 mil para um blogueiro.

Seria uma peculiaridade para o próximo ano?

Sim, claro. É uma preocupação que estamos maturando e estudando quais seriam as normas para disciplinar, de prevenção e controle. Em Brasília, em um desses encontros, teve sugestão de punir o candidato ou coligação. Se não temos como punir o blog ou uma pessoa, vamos punir o beneficiado. Quem é o beneficiado? O político A ou B.

Um exemplo é o problema de Mossoró. Com a decisão do juiz que cassou (a prefeita Cláudia Regina) e outro revogou a decisão. Por que? Porque no processo fala que quem foi cerca de 80 vezes a Mossoró foi a governadora (Rosalba Ciarlini). Tem que se diligenciar para saber os motivos dessas viagens. Contudo, quem foi cassada? Foi a governadora? Foi a prefeita. A situação da internet seria mais ou menos isso. Eu crio um blog para atacar ou elogiar e na verdade é um anônimo. 

“Havia uma discrepância entre a jurisprudência do TSE com a do TRE” (Foto: Wellington Rocha)

Além de processos, o TRE tem recebido também muitos pedidos de desfiliação com a aproximação do pleito. Como tem se lidado com isso?

 É uma matéria que eu falo com muita propriedade e transparência, pois quando cheguei ao TRE existia uma posição. Depois que chegamos mudou essa posição. Havia uma discrepância entre a jurisprudência do TSE com a do TRE. O TRE entendia que mesmo que o político fosse filiado a um partido e detentor do mandato e por incompatibilidade saísse, com o partido autorizando sua saída, ele era cassado. E o TSE não pensa assim. Não é de uma lógica razoável.

Hoje o entendimento é outro. Se o partido autoriza, com casos em que o político submete a direção partidária ou reunião, reconhece que não tem interesse no mandato, abrindo mão, não tem o que dizer. Hoje existe uma sintonia, mas se o TSE vier a mudar no futuro, iremos acompanhar.

Com esse crescimento de processos, julgamento de desfiliações e resultados apresentados, como as cassações, o TRE ganhou uma maior credibilidade perante a sociedade?

Sim. Há fatos comigo que me surpreende. Em supermercados e shoppings sou até reconhecido, não como presidente, mas como membro do TRE. Uma coisa que me preocupa, até mesmo como cidadão, é o julgador não julgar para torcida. Nossa matéria prima, para quem julga, é a liberdade e o patrimônio. Atinjo a tua liberdade, para lhe prender, cassar mandato, ou penhorar bens, colocar em leilão. É sensível. É ruim esse sentimento de julgar pelo “anseio popular”.  Justiça é como política e futebol, o sentimento às vezes lhe tira da razão.

Diante do atual momento de protestos no Brasil, o que pode mudar num processo eleitoral?

A consciência do eleitor. Se eu votei em A e não correspondeu, arranje outro para votar. A grande essência da democracia é isso: permitir ao anônimo a condição de mudar seus representantes. Votei em B e não correspondeu, vou votar em C ou Z. Lamentavelmente, as pessoas ainda votam pelo interesse pessoal ou favor e não pelo futuro da comunidade.

No entanto, é uma incógnita. Será que esse pessoal que foi para a rua, as pessoas sérias, disseram um alerta ao político tradicional? Vamos para o novo? Quem seria esse novo? O momento é de reflexão. Foi um alerta ao serviço público em geral. Tanto para a saúde, educação, segurança e justiça.

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