Marin: ‘Não se trata de uma nova gestão, mas de um novo presidente'
Hilário Franco Júnior, O Estado de S. Paulo
A mitologia grega, na sua sabedoria metafórica para falar das grandes questões humanas, criou deuses, heróis e monstros memoráveis. Um destes é Medusa, figura perigosa com garras de javali, cabelos de serpentes, mãos de bronze e asas de ouro.
A lembrança mitológica vem a propósito da recente demissão de Ricardo Teixeira da presidência da CBF. O Brasil que trabalha honestamente e ama o futebol comemora o fato, mas não tenhamos muita ilusão: o poder da cabeça da Medusa está em petrificar quem a olha (talvez por isso Teixeira tenha se mantido 23 anos à frente da CBF) mesmo depois de decapitada, diz o mito.
É o que confirma o sucessor de Teixeira ao assumir o cargo: "Não se trata de uma nova gestão, mas de um novo presidente".
Também não se deve ingenuamente festejar a decapitação da Medusa porque o mito explica que, se ela é mortal, tem duas irmãs imortais: qualquer analogia com a Conmebol e a Fifa não será mera coincidência. Como se sabe, os interesses de família são convergentes.
Não é casual que também sejam suspeitos de corrupção o paraguaio Nicolas Leoz, presidente da Conmebol há 26 anos, e o suíço Joseph Blatter, presidente da Fifa há 14. Corrupção não só de dinheiro, porque depois desse a coisa que mais apreciam os cartolas é o prestígio: conta-se que Leoz queria ser agraciado com o título de sir pela rainha da Inglaterra para votar a favor desse país como sede do Mundial de 2018. Decididamente, longos mandatos estimulam maus hábitos tanto no futebol quanto na política.
Entre esses hábitos está certa privatização das instituições - não é fortuito que o criador do atual sistema político-financeiro da Fifa tenha sido João Havelange, mentor de Blatter (seu ex-colaborador e sucessor) e Teixeira (seu ex-genro). Este, aliás, sabidamente era candidato (palavra que, por ironia, deriva de candidus, "puro", "inocente", "transparente") à sucessão de Blatter em 2015.
E para o posto vago na CBF o candidato (ainda ironicamente) seria Andrés Sanchez, que enquanto presidente do Corinthians ganhou um estádio novinho em folha, construído com dinheiro público, graças à rejeição do Morumbi como sede da Copa por parte de Teixeira - que tinha visto seu projeto de impor um apadrinhado como presidente do Clube dos 13 arruinado pela oposição encabeçada pelo São Paulo F. C.
Todavia, o quadro parece ter tonalidades ainda mais mafiosas. O aperfeiçoamento do "sistema Fifa" levou à descoberta de outro filão: promover as Copas do Mundo em países cujo controle das contas públicas não é, digamos, rígido. África do Sul (2010), Brasil (2014), Rússia (2018), Catar (2022) são oportunidades de ouro para grandes negócios. Desde que, evidentemente, os sócios locais aceitem "jogar o jogo".
Leia a íntegra em A cabeça da Medusa
Hilário Franco Júnior, professor do Depto. de História da USP, é autor de "A Dança dos Deuses – Futebol, Sociedade, Cultura" (Companhia das Letras)
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